Dayanne Mikevis
Presidente Lula Frusta Expectativa de
Brasil Discutir Aborto

(Silver City, NM: Programa das Americas, 21 de maio de 2007).
International Relations Center (IRC)
http://ircamericas.org/port/4255


               
No dia 15 de maio, em entrevista coletiva, dentre muitos temas tratados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, estava o aborto. Seu ministro da Saúde, José Gomes Temporão, havia dito, logo ao assumir, que havia a possibilidade de o Executivo propor um plebiscito para que se discutisse a descriminalização do aborto no país. No entanto, após a visita do papa Bento XVI, Lula disse que o tema é uma questão de saúde e um plebiscito deve ser avaliado pelo Legislativo e que ele não irá propor a discussão às Casas.

                Bento XVI, em sua passagem pelo país, atacou os chamados "crimes contra a vida", também discursou contra o machismo latino-americano, mas reforçou o papel da mulher como companheira do homem.
                Após a viagem a ida do pontífice, a ministra da Secretaria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres, Nicéa Freire, disse que o religioso precisa olhar o mundo real. O órgão é ligado à Presidência da República e foi criado por Lula em seu primeiro mandato.
                A Câmara de Deputados federal e o Senado têm homens em sua grande maioria, historicamente a maioria católica também é mais presente, apesar do aumento dos evangélicos nas últimas legislaturas. Além disso, grande parte do Congresso é composta por setores mais conversadores em relação a costumes no país.
                O tema ainda é motivo de polêmica no Congresso e na imprensa local. De acordo com Maria Fernanda Marcelino, da ONG Sempre Viva Organização Feminista (SOF), a discussão do aborto remte aos anos 60 e 70, quando grupos de mulheres já se reuniam para debater a problemática. Para ela, "o que o Temporão fez é muito importante, é importante um ministro falar sem hipocrisia". No dia 28 de maio, na Praça Ramos, região central de São Paulo, haverá um protesto que propõe a discussão do tema organizado por ONGs.
                Para ela, a proibição do aborto pune mulheres pobres, que não têm os recursos necessários para pagar uma clínica clandestina. Um procedimento abortivo custa entre R$2 e R$5 mil. Ante o argumento de que pesquisas de opinião refletem que uma minoria quer discutir o assunto, Marcelino reage.
                "Ao contrário do que se prega, não há uma unanimidade contra o aborto. Se você chega e pergunta para as pessoas se uma mulher pobre que já tenha cinco filhos e quer abortar é uma criminosa, elas respondem que não. O que existe é o silêncio, não uma posição hegemônica", defende a ativista.
                Atualmente, a prática do aborto é crime no país, regulado pelos artigos de 124 a 128 do Código Penal. Tanto a gestante quanto o médico que praticou o crime podem sofrer punições, que vão da detenção de um ano até oito anos, conforme a situação na qual o aborto foi praticado. No país, via artigo 128, permitem-se alguns tipos de aborto: quando não há outro meio de salvar a vida da gestante e no caso de gravidez resultante de estupro. O Código Penal brasileiro é de 1940, uma época em que a sociedade era bem diferente da atual.
                Na Câmara dos Deputados, atualmente há cerca de 120 documentos relativos ao tema entre projetos de lei, pedidos de arquivamento e outros procedimentos. Muitos deles estão arquivados, mas outros continuam tramitando. Alguns dos projetos, como o Projeto de Lei (PL) número 660 trata do aborto quando o feto possui alguma anomalia grave e é da deputada Cida Diogo, do PT do Rio de Janeiro. Outros, como o do deputado Eduardo Cunha (PL 7443), do PMDB do Rio de Janeiro, pedem para que o aborto seja não apenas considerado crime, mas crime hediondo, uma tipificação que impede benefícios ao preso.
                Grande parte dos projetos adota uma linha conversadora em relação ao aborto, propondo coisas como a proibição da "pílula do dia seguinte". No entanto, o que vem provocando polêmica no país é a possibilidade de um plebiscito sobre o assunto. Tentativas de se instaurar uma discussão nacional sobre o tema foram realizadas no passado, na Câmara dos Deputados, um projeto de 2005 pedia uma consulta nacional sobre o tema.
                A posição é reforçada pelo atual ministro da Saúde do Brasil, José Gomes Temporão, que afirmou, logo após sua posse, em março, que era a favor de um plebiscito. Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo publicada no dia 9 de abril, Temporão afirma: "Do ponto de vista da saúde pública, hoje a minha visão é pela legalização, mas não gostaria de me posicionar agora porque, quando o debate for aprofundado, eu poderei captar com mais sutileza as diversas posições e nuances sobre o assunto".
                Apesar de as declarações e possível disposição de membros do governo em realizar uma consulta popular, manifestações já apareceram. Em março, 11 mil pessoas se reuniram no centro de São Paulo para protestar contra o plebiscito.
                Uma pesquisa do Datafolha, divulgada no dia 8 de abril, mostra que 65% dos brasileiros são contra mudanças na lei do aborto. O ministro Temporão foi indagado sobre o resultado da sondagem, ao que respondeu: "O resultado da pesquisa não me surpreendeu porque acho que a sociedade brasileira sempre debateu o tema de maneira superficial. Meu objetivo, quando toquei nesse tema há cerca de duas semanas, era chamar a atenção para um debate que sempre foi feito dentro de um contexto moral, filosófico ou religioso, mas não no contexto de saúde pública".
As Brasileiras Abortam?
                De acordo com Temporão, o SUS (Sistema único de Saúde) realizou dois mil abortos em 2006, obviamente, como feitos pelo sistema de saúde pública, os procedimentos são legais. O sistema também registra 220 mil curetagens pós-aborto, em 2006, aí estão dados que abarcam tanto abortos espontâneos como provocados, já que a prática é ilegal, fica impossível saber a quantidade de abortos realizados em condições precárias que acabaram terminando no sistema público de saúde.
                Devido à ilegalidade do aborto, não há números confiáveis sobre a prática no Brasil, mas eles ocorrem, em grande quantidade, e em situações nem sempre muito higiênicas. Quanto mais pobre a mulher, mais riscos a prática do aborto pode colocar à sua saúde. Uma jovem que realizou aborto concordou em falar sobre o assunto: "Eu paguei na época, em 2000, quatro mil reais, a clínica era limpa, mas no dia em que fui fazer o aborto, fomos para um porão. Depois que o aborto foi feito, disseram para que eu fosse para casa, eu estava tonta e sozinha, mas disseram que eu não podia ficar lá, que não era bom, e eu tive que ir para casa daquele jeito". A mulher, na época era uma jovem de 19 anos e fez o aborto com o apoio dos pais. No entanto, nem todos têm a mesma sorte.
                Um método considerado abortivo por muitos e que já provoca polêmica há anos no Brasil é a pílula do dia seguinte. Adotada em parte da rede pública de saúde, a própria Secretaria dos Direitos da Mulher, ligada à Presidência da República, foi chamada a dar explicações sobre o medicamento. Algumas ações para inibir sua aplicação foram tomadas e no Vale do Ribeira, uma das regiões mais católicas do maior Estado brasileiro, cidades como São José dos Campos chegaram a ser proibidas de distribuir o remédio por decisão judicial em 2005. Algum tempo depois, a situação se normalizou.

Igreja


                Uma das imagens mais conhecidas do Brasil no mundo é sem dúvida o Cristo Redentor, cujos braços abertos ficam acima da cidade do Rio de Janeiro. A imagem já mostra algo do país, o Brasil é o maior país católico do mundo, segundo o próprio Vaticano. De acordo com uma reportagem on-line do jornal O Estado de São Paulo, a Santa Sé estima 155,6 milhões de católicos no país em 2005. O número equivale a 84,5% da estimativa de população para aquele ano.
                O Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE), que tem os dados oficiais sobre a população brasileira, divulga que no Censo 2000, 89% dos brasileiros eram cristãos, sendo 73,6% católicos, 15,4% protestantes e evangélicos e 1,3% espíritas. Apesar das correntes se dividirem em inúmeras sub-correntes, a maioria delas é contra o aborto. Os números do Vaticano e IBGE divergem quanto ao total de católicos no país.
                Os católicos são os que atualmente mais se expõem na polêmica sobre o aborto. Na sexta-feira de Páscoa, um dia sagrado para os católicos e diversos grupos cristãos, o cardeal dom Eusébio Oscar Scheid, do Rio de Janeiro, criticou a descriminação do aborto. Segundo o jornal Folha de São Paulo, ele teria tido: "Não podemos permitir a matança de inocentes como quer esse projeto infeliz". Scheid se referia ao projeto do ministro Temporão.
                A visita do papa Bento XVI pode ser importante nesse aspecto. Respeitado não apenas pelos católicos, o país recebeu a figura máxima do catolicismo romano de 9 a 13 de maio. Dentre as motivações que levam o papa a visitar o Brasil estão a perda de fiéis, o baixo número de padres e, claro, temas como o aborto. A questão está longe de ser minimamente aceita pela igreja, mesmo para um simples debate.
                Mesmo dentre os católicos há divergências sobre o comportamento da instituição. "A Igreja atualmente crucifixa os fiéis na cruz e gera um antagonismo que afugenta os indecisos, como, por exemplo, o uso da camisinha", disse Luiz Fran, publicitário e católico praticante, que esperava uma aparição do papa Bento XVI em frente ao mosteiro de São Bento.
                Emanoel Luiz, 19 anos, veio de Caruaru, em Pernambuco, para ver o papa Bento XVI. Ele veio em uma caravana e enfrentou dois dias de viagem. "Eu concordo com a minha Igreja em gênero número e grau", disse o rapaz, sobre temas como aborto, camisinha e casamento.
                Em relação à Igreja, Maria Fernanda Marcelino disse: A posição do Bento reflete a igreja hoje, que é reacionária". Para ela, uma das razões da visita do papa, face aos progressos obtidos sobre a questão do aborto em Portugal e no México, é frear a discussão sobre o assunto em um país grande, importante para a igreja.
"A igreja vai pedir perdão 500 anos depois às mulheres, como fez com os negros e os índios", finaliza a ativista.

                Dayanne Mikevis é jornalista, escreve em geral sobre temas ligados a direitos humanos, democracia e diversidade e contribui para o Programa das Américas em www.ircamericas.org.

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Recursos
Sempre Viva Organização Feminista (SOF)
www.sof.org.br
Ipas Brasil
www.ipas.org.br
Católicas pelo direito de decidir
www.catolicasonline.org.br
Rede Feminista de Saúde
www.redesaude.org.br
Brasil Sem Aborto
www.brasilsemaborto.com.br
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (parte da Igreja Católica Romana)
www.cnbb.org.br
Portal da Família
www.portaldafamilia.org