Mariana Loiola

Negar oportunidade tambén é crime
Brasil, maio de 2003.

Por mais que seja discutida e constatada a necessidade de profundas mudanças no sistema penitenciário brasileiro, raras são as tentativas efetivas de melhoria. Já que os entraves políticos mantêm distante a possibilidade de efetivação de mudanças estruturais, ações isoladas podem ao menos minimizar os danos causados pelo sistema. Um projeto no Rio de Janeiro está tentando resolver um dos inúmeros problemas nos presídios: a ociosidade. Trata-se do Espaço Cultural Mãos à Arte, inaugurado pela ONG Bioética, no último dia 8 de maio, na penitenciária feminina Talavera Bruce, localizada em Bangu, zona oeste da cidade. A iniciativa tem como principal objetivo a ressocialização das internas, através da produção de peças de artesanato.
O projeto começou a ser pensado a partir de uma monografia de pós-graduação em Psicologia Jurídica, da advogada Priscila Leser, integrante da Bioética, com o tema "Crime e pena: humanização e ressocialização". Para elaborar o trabalho, Priscila fez uma série de entrevistas na casa de detenção Talavera Bruce. Quando terminou o curso e a monografia, e já atuando na ONG, como diretora jurídica de direitos humanos, ela passou a desenvolver diversos projetos no presídio, entre eles, o que deu origem ao Espaço Cultural. "Entrevisto algumas internas há mais de um ano e vejo que uma das maiores queixas é a falta de trabalho. Elas passam o dia inteiro sem fazer nada", diz Priscila, que cita um depoimento de uma interna, como síntese da situação de exclusão a que é submetida a pessoa que cumpre uma pena de prisão no Brasil - uma realidade que, muitas vezes, se torna perpétua, pela falta de emprego após o seu cumprimento. "O lixo pode ser reciclado e transformado em algo aproveitável, mas eu, ser humano, nunca mais vou poder ser aproveitada para nada", disse a interna - hoje monitora do projeto - que, em liberdade, perdeu boas oportunidades de emprego por ser ex-presidiária.
A partir das queixais das mulheres entrevistadas e do diálogo com a diretoria e o departamento de educação do presídio, surgiu a idéia de desenvolver um projeto de artesanato. Algumas internas já produziam peças em suas celas e vendiam na própria cadeia. A diretoria resolveu ceder um espaço físico, algumas máquinas de costura e conseguiu doações de tecidos, para que um grupo de internas pudesse sistematizar o seu trabalho. Outras presas se interessaram e elas passaram a trocar conhecimentos. "Cada uma sabe fazer alguma coisa e elas têm muito boa vontade para ensinar os ofícios umas às outras. O grupo se tornou muito coeso e passa o dia inteiro trabalhando", diz Priscila. Elas produzem quadros, talhas em madeira, bonecas de plástico, cavalos de resina, cortinas, bolsas, chapéus, roupas, almofadas, toalhas, cartões feitos com papel vegetal, caixas para presentes, materiais em crochê, tricô, e até abajures. Parte dos artigos produzidos são feitos a partir de material reciclável, como jornal, PET, palitos de picolé e anéis de latinhas de alumínio.
O trabalho realizado pelas detentas não funciona apenas como terapia ocupacional. Ele traz uma perspectiva real de geração de renda para as próprias detentas e as suas famílias. Com a inauguração do Espaço, tudo o que for produzido será comercializado. O dinheiro obtido com a venda dos produtos é voltado integralmente para elas. "A idéia é que se não der para conseguir emprego, a pessoa, após sair da prisão, possa ao menos montar uma barraquinha para vender os seus produtos. Se ela não encontra nenhuma alternativa de renda capaz de sustentar a si própria e a sua família, acaba voltando para o crime. A prova disso é que a reincidência é cada vez maior. A pena é para ressocializar e não para tornar um eterno excluído", diz Priscila.
Em três meses de trabalho - anteriores à formação oficial da cooperativa - foram realizadas três exposições externas, uma das quais na Petrobras, que patrocina o projeto. Nesta exposição, os funcionários da empresa compraram quase R$ 3 mil em peças produzidas pelas internas. De acordo com Priscila, é a primeira vez, no estado do Rio de Janeiro, que trabalhos elaborados em presídios chegam até a comunidade externa. Exposições em faculdades, escolas e outros locais já estão sendo organizados.
Esse resultado despertou o interesse de mais internas, e a inauguração de um novo espaço de trabalho na penitenciária já está sendo planejado. No futuro, Priscila pretende incluir ainda acompanhamento psicológico e jurídico, e espera que a próxima direção do presídio mantenha o projeto.
A inauguração do Espaço Cultural Mão á Arte já está gerando excelentes repercussões também fora do Talavera Bruce. A divulgação na mídia chamou a atenção da direção de Bangu II, presídio de alta periculosidade do estado. Convidada para conhecer trabalhos feitos em madeira pelos internos da penitenciária, Priscila já está organizando a inauguração de um espaço em Bangu II e pretende expandir, em breve, o projeto para outras unidades do Rio de Janeiro. Uma iniciativa que busca resgatar a dignidade de pessoas excluídas da sociedade, merece, no mínimo, a curiosidade das direções dos presídios.
Quem quiser colaborar com doações de materiais para o Espaço Cultural Mão à Arte, pode entrar em contato pelo telefone (21) 2524-5819 ou (21) 2532-0412 e pelo correio eletrônico prileser@globo.com.